quinta-feira, 19 de maio de 2011

Dia 16 de maio


A Praça

“Portinari para Todos” oferece aos que passam pela Praça D.Eduardo, junto ao Teatro Municipal, uma série de oficinas. Dentro do Teatro está colocada a exposição Portinari arte e meio ambiente, conforme todos os amigos que nos estão seguindo podem constatar.

A praça é um lugar de todos e para todos e assim, durante esses doze dias em que a tomamos como ponto de trabalho e de arte, temos  convivido com as pessoas mais bizarras que se possa imaginar.

Logo que aqui chegamos notamos um personagem que marca presença constante na praça. Ele parece um pequeno grilo, de tão magrinho  e frágil. Caminha por todo o centro da cidade, pois por onde quer que andemos no entorno, o encontramos caminhando, para cima e para baixo...

Ele pára sempre próximo de nosso toldo, nos olha, mas nada fala. Como não sabemos o seu nome, Solange e Néia o apelidaram de”Camilinho”, por analogia a um personagem semelhante, que existia na cidade interiorana em que minhas duas auxiliares vivem.

Solange tenta uma primeira aproximação, sentando-se no banco próximo a ele, enquanto ele mantém uma conversação animada em seu “celular” -  uma pequena barra de ferro, que ele sempre tira do bolso, quando se senta no banco, para “falar”.


Ele parece não gostar da presença da Solange,  levanta-se e sai.


Entre idas e vindas “Camilinho”, hoje passa por entre nossas mesas do “ateliê” e pára. Eu, imediatamente, o convido para desenhar conosco. Ele me pede um picolé. Solange diz que o carrinho do picolé não está por perto e pergunta se serve um sorvete.


Feliz com a idéia de ganhar um sorvete, aproxima-se de Solange, que vai até a sorveteria em frente e traz um gostoso sorvete de chocolate.



Camilinho tem um discurso que mais parece poema neo-concreto, mas antes de sair de perto de nós diz que Solange é “muito bonita”.

Enquanto a conversa de “Camilinho” parece um poema neo-concreto, a deste nosso visitante, o índio Jacarandá, da reserva Tupinambá de Olivença, é muito bem articulada. O jovem é liderança da sua comunidade e faz parte do Conselho de Cultura de Ilhéus (segundo ele me contou). Quando soube do nosso projeto Portinari para Todos, veio nos procurar para pedir que o levássemos também para a Comunidade Tupinambá de Olivença.


Conversamos por várias horas seguidas e eu vou me inteirando do trabalho educativo que é realizado na escola da comunidade, alfabetizando as crianças na língua nativa, para que elas possam seguir as tradições de seu povo de origem. Jacarandá me mostra o livro didático adotado pelos professores da Comunidade. Achei bastante interessante esta linha de orientação do MEC para os professores indígenas.

Fico com muita pena de não podermos levar a exposição para eles. Explico-lhe que temos um cronograma a seguir e que não podemos partir esta sequência, mas convido-o a trazer as crianças até nós e ele fica de ver a possibilidade de conseguir um ônibus, através da Secretaria de Educação.



Este jovem morador de rua é um dos personagens que ficam sempre “rondando” o nosso toldo. Está sempre acompanhado de um vira-latas, que ele chama de “mamãe”. Uma das professoras que nos visita conta-me que ele foi seu aluno na creche da prefeitura, mas, abandonado pela mãe, muito cedo passou a viver na rua.

Hoje, depois de  nos “rondar” durante algumas horas, ele se aproxima de mim e pergunta se pode sentar para desenhar. Convido-o a sentar-se, coloco o papel e as tintas a sua disposição. Chamo-o pelo nome – Artur ( que me foi dito pela professora) e ele me diz que gosta de ser chamado de Shakira. Eu continuo a chamá-lo de Artur e ele não reclama. Conversamos enquanto ele pinta um navio e eu pergunto se ele já havia feito arte antes. Ele me conta que pintava no centro de reabilitação, em Salvador, onde esteve internado.
Quando Artur termina o desenho, assina seu nome, com alguma dificuldade, em letra de forma. Eu peço que ele coloque também a sua idade e ele escreve um 8 e ameaça escrever o número 1 do lado direito , mas eu explico que se ele colocar o 1 do lado direito, estará escrevendo o número 81. Ele ri e diz que só tem 18 anos, colocando o 1 no lugar certo!



Paulo, Afonso e Maicon são os “Capitães da areia” de Ilhéus.
Atravessaram por entre nossas mesas, nos provocando, pensando que iríamos brigar e tocá-los de lá para fora, mas quando nos ouviram dizer “ei, querem sentar para fazer arte conosco?” pararam, surpresos, e nós os ouvimos falar “elas tão falando com a gente!”.
Voltaram imediatamente, sentaram-se e eu propus que criassem uma história em quadrinhos. Enquanto a história ia sendo criada, nós os provocávamos  para que também contassem um pouco de suas histórias pessoais. Oferecemos dois potes de biscoitos  que foram  devorados imediatamente, enquanto conversávamos.
Paulo só tem 8 anos e Afonso e Maicon disseram que têm 13 e 14 anos. Os três foram abandonados pelas mães, não conhecem os pais e o mais velho, Maicon, é neto de uma índia de Olivença, mas não sabe onde a avó está. Todos já viveram em abrigos, mas fugiram e me disseram que iriam conseguir um abrigo, hoje, para ficar. Todo o tempo o Maicon me perguntava : que horas são? E me explicou que a pessoa que os colocaria no abrigo marcou com eles às 4 horas.



Quando os  três meninos se levantaram desejamos que eles dessem mais sorte neste abrigo para que lá ficassem, pudessem estudar e construir uma vida melhor e mais segura do que a vida na rua.


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